Para uma visão holística da balada

27 01 2010

Recentemente fiz trabalho de campo com meu parceiro de pesquisa do Departamento de Pesquisa em Comportamento da Universidade do Campo das Vertentes, Gabriel Abílio.

Temos desenvolvidos vários trabalhos em conjunto, tendo como áreas de interesse as noites Sanjoanenses e as relações de afetividade tecidas durante as mesmas.

Através de uma metódica observação encontramos um fenômeno interessante durante as “festas”: A perigosa e poderosa força feminina de controle e dominação do ambiente, que tem como contraste a incapacidade masculina de visão de totalidade da balada.

As mulheres têm olhar multifocal, tendendo a perceber os vários comportamentos a sua volta, o que dá a elas uma alta margem de controle das situações, o que é catalisado tendo em vista que os homens “binocolizam” sua visão.

E sob essa questão estrutural que encontramos um fato muito recorrente, que intitulamos de “varada na água”. Típico comportamento de homens que muito afoitos não percebem o que está acontecendo a sua volta e ao serem rejeitados, em frações de segundo, saem cortejando outras mulheres num raio muito curto. Tal ação gera uma sucessão de nãos e as ondas causadas pela varada na água vão se propagando e levam o sujeito bêbado e sozinho para casa.

O que mais nos chamou atenção foi o esfrega-esfrega feminino que pode ter variadas dimensões. Identificamos um grupo de mulheres que dançavam e se esfregavam se insinuando para um grupo de homens, que cegos foram interagir com as mesmas. Eu e meu companheiro de pesquisa notamos um fato peculiar, a mesa dos rapazes estava cheia de bebidas. Não deu em outra, elas estavam apenas instrumentalizando a sedução. Sem que os homens percebessem, pegaram uma lata de cerveja e deram tchau e benção. Os rejeitados ficaram sem entender o que havia ocorrido e se queixaram da provocação seguida de fuga.

Observamos outro evento com o esfrega-esfrega. Duas mulheres estavam dançando juntas no típico “boom boom pow”. Rapidamente um número significativo de caçadores afoitos se posicionou e iniciou o fuzilamento. Nenhum obteve sucesso. É incrível como os homens não param para pensar que o dançar de duas mulheres não significa necessariamente um convite ao acasalamento. E se elas forem lésbicas? Aparentemente não era esse o caso, elas estavam simplesmente se divertindo, nada mais. Está aí uma outra característica feminina, o desapego com os seus corpos com relação umas as outras. As mulheres no geral são muito bem resolvidas quanto ao darem carinho umas as outras e se tocarem sem neuras e sem erotização. Acredito que esse fator está ligado a condição materna de cuidado e proteção.

Dentro desse projeto mais amplo, desenvolvemos um subprojeto intitulado “existe forró descompromissado?” que pretende investigar se é possível um homem chamar uma mulher para dançar sem nenhuma pretensão. Ainda não chegamos a conclusões efetivas, mas os resultados demonstram que na grande maioria os convites para dançar carregam um simbolismo constituído de elementos que erigem a conquista. O interessante é que o aceitar dançar por parte das mulheres pode significar nada mais nada menos que “sim eu aceito me divertir com você, mas apenas dançando”. Fenômeno esse que mais uma vez comprova a superioridade feminina, sua autonomia e sua visão mais ampla.

Nosso próximo projeto se chamará “micareta, germes, competição e o vazio”. Aguardem os resultados dessa pesquisa.

***

Guilherme Pereira Claudino – Formado em Antropologia surrealista e História . Seu doutorado, já publicado pela Cia das letras, intitula-se “A mentalidade dos sacanas”, onde o autor analisa as conversas e a toda lógica social das festas.

Gabriel Abílio – Formado em Lingüística Quântica e História. Seu doutorado foi premiado pela Associação das Disquitadas da década de 50. A tese, em um enfoque micro-análitico, analisa brigas de um casal durante as baladas.


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11 responses

29 01 2010
Nanda

A visão multifocal faz-se necessária na vida feminina desde os primórdios, afinal o bebê chorava ao mesmo tempo em que o feijão estava a cozinhar, as crianças brigavam e o marido exigia a camisa passada para sair para o trabalho.
Com a evolução da humanidade, o bebê não deixou de chorar, o celular passou a tocar sem descanso, os e-mails a serem despejados a cada minuto, as cobranças multiplicando-se… casa, comida, trabalho, marido, filhos: sensual, saudável e linda, claro!
Seria diferente nas baladas? É mais uma consequência da evolução da espécie….!

2 02 2010
Letícia Vasques

Acredito no forró descompromissado e no vazio das micaretas, principalmente quando se ingere vodca no decorrer do balanço do trio. Aguardo ansiosa a próxima pérola do menino Claudino, esse puto.

4 02 2010
Guilherme Moura

SENSACIONAL!!!! Essa é a palavra. Bem, nós homens temos que identificar na balada os vários tipos de mulheres e termos a dimensão dessa superioridade feminina. Realmente existem as “quero a sua cerveja e por isso vou dar mole p vc”, existem as que realmente querem alguém, existem as “sou gente boa, não to te dando moel” e por aí vai.
Pesquisa de grande relevância para o nosso mundo moderno. Parabéns!!!!

7 02 2010
Wallace, The Wall

Ah, as relações interumanas… que prazer entrar em contato com demais seres que além de se envolverem, têm a preocupação de analisar o ambiente em volta… sim, exercer esta estupenda e rara sensação de “PENSAR”… sentimento inédito e nebuloso para a grande maioria durante a balada, “pensar” é uma característica de poucos, mesmo os que não se envolvem nas baladas, mas certamente é uma arma fundamental para os vencedores. Sim amigos, pensar é para poucos… Mesmo as mulheres, que tanto manipulam os seres de sexo oposto (nas baladas – quanto ao resto da vida, fica de sugestão para nova pesquisa aos amigos escritores/observadores/pesquisadores/PENSADORES), mesmo o “sexo frágil”, se exime de utilizar, na imensa maioria das vezes, este celestial dom de PENSAR durante uma balada… observem: quem se dá bem nas baladas? Os que têm grana – fácil, com dinheiro, não precisa se pensar muito… Os/as belo(a)s? – fácil, beleza sempre foi o cartão de visitas do ser humano… mas e os que não são belos e não têm grana? Como se dão bem nas baladas? Observem ESTE grupo… sim, sempre existe o fator sorte – “A sorte favorece a mente preparada”, já dizia o pensador Jean Claude Van Damme, em sua obra prima no cinema “Render-se nunca, retroceder jamais” – mas… observem este grupo: como alguém se destaca no meio de belos, ricos e sortudos, sem carregar em seus cromossomos estas características? PENSADORES… estrategistas… pessoas, homens e mulheres, que PENSAM antes de agir… têm estratégias, subterfúgios, artimanhas… sim amigos, se me permitem uma sugestão em suas pesquisas… OLHO NOS PENSADORES… estes podem oferecer respostas a perguntas ainda nem formuladas…

7 02 2010
Wallace, The Wall

Gostaria de deixar um lembrete, se me permtiem:
– Nos meus muitos e intensos anos de baladas, sozinho ou acompanhado, jamais deixei de chegar à mesma conclusão, parafraseando a Matemática, ao analisar os nojentos e vazios grupos (ou tribos urbanas), quando exibem, descarada e despudoradamente, todo o seu vazio, sem qualquer cerimônia…
“MENOS COM MENOS DÁ MAIS…”

8 02 2010
Guilherme Claudino

Wallace, isso não é um comentário é um outro texto e muito bem escrito por sinal…Merece aplausos e congratulações…..Esses pereiras vão se mostrando aos pouquinhos…E você, com mestria, segue a tradição dos Martins boemios-cantores-sambistas-poetas..

E não pode deixar de faltar: “boemiaaaaaaaaaaaaa aqui me tens de regresso”

obs: a citação do filósofo Van Damme foi fantástica

8 02 2010
Wallace, The Wall

Sinto-me muito honrado com o “comentário do comentário”, principalmente por vir do célebre autor do texto em questão…

Tentarei exercitar melhor este lado “antropólogo-de-buteco-de-fim-de-noite” ou “escritor-de-best-seller-de-porta-de-banheiro-público”… Hehehe…

Grande abraço!

1 03 2010
Michelle Rodrigues A P U...

Texto maravilhoso…realmente são poucas as pessoas que conseguem pensar e observar durante uma balada. Acho que dentro desse tema ainda ha muitos pontos a serem explorados, tantas coisas interessantes, engraçadas, repugnantes, etc. acontecem nesses ambientes….
Adorei (claro) a parte da superioridade feminina, a visão panorâmica ou 3d…mas tenho q colocar a minha opinião, acho que nem todas são assim, aliás, acredito que a minoria seja assim…sempre tem o outro lado da moeda, o que eu acho que ainda predomina, o lado estrategista do homem, bem citado pelo wallace, que sai á caça e sempre encontra sua presa, que (mesmo se esfregando com a amiga) é romântica e se apaixona na balada!
Aliás, sobre essa parte da esfregação tenho uma dúvida, o que issotem a ver com a condição materna de cuidado e proteção? Não entendi mesmo!

“As mulheres no geral são muito bem resolvidas quanto ao darem carinho umas as outras e se tocarem sem neuras e sem erotização. Acredito que esse fator está ligado a condição materna de cuidado e proteção.”

Sem mais delongas, parabéns pelo texto!

2 03 2010
Guilherme

Michelle,

Primeiro gostaria de agradecer sua visita e seu relevante e perspicaz comentário. Sua cia é sempre bem vinda. Venha sempre nos privilegiar com o bem humorado e inteligente papo dos Pachecos.

Quanto a generalização desse tipo de superioridade feminina, é claro que no texto tem uma pitada consciente de exagero “literário”. Concordo com o Wallace quanto às artimanhas masculinas. É que resolvi abordar a ótica feminina. Toda análise elimina certas aspectos e privilegia outros. Na verdade é um puxão de orelha no tosco comportamento masculino. E lembre-se, “o exagero é pedagógico”.

Quanto a maternidade
Acredito que por carregar e amamentar outro ser, as mulheres possuem a sensibilidade do toque mais aguçada, portanto do carinho também. Ou seja, as mulheres se encostam e se tocam sem neuras e sem erotização, bem menos constrangidas pelos condicionamentos sociais. Biologismos a parte, é claro que isso faz parte de uma construção histórica que tem a frente o patriarcalismo ocidental, mas acredito que existe aí uma forte influência dessa já mencionada condição natural da mulher.

Espero que tenha respondido.

4 03 2010
Michelle Rodrigues A P U

Hmmm…bem humorado e inteligente papo…hahaha, valeu pelo elogio! Já que não nos encontramos ao vivo e á cores pra bater papo né, o café é uma ótima!
Vou estar sempre passando por aqui agora.
E entendi o recado…

14 04 2010
Rafael Senra

Caríssimos Sr. Antropólogo Surrealista e Sr. Linguística Quântico;

O texto em questão é deveras fenomenal (e/ou fenomenológico). Em minha modesta condição de leitor, sugeriria a publicação de uma série aprofundada (tese?) sobre o caráter holístico das baladas. Acredito que o estudo de vocês constitua um “corpus” embricado de ineditismo e de originalidade sobre as ambivalências e a fluidez do entretenimento jovem brasileiro do século XXI.

Sem mais delongas;
Att.
RS

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